domingo, 26 de abril de 2009

Avaliação da Aprendizagem

“A NECESSIDADE E OS BONS USOS DA AVALIAÇÃO”

Quando um professor pensa que ensino e aprendizagem são duas faces de um mesmo processo, faz sentido acreditar que, ao final dele, só existam duas alternativas: o aluno aprendeu, ou não aprendeu. Diferentemente disso, se ele vê a aprendizagem como uma reconstrução que o aprendiz tem de fazer dos seus esquemas interpretativos e percebe que esse processo é um pouco mais complexo do que o simples “aprendeu ou não aprendeu”, algumas questões precisam ser consideradas.
Uma delas é a necessidade de ter claro o que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresentado um conteúdo novo, já que o conhecimento a ser construído por ele é, na verdade, uma reconstrução que se apóia no conhecimento prévio de que dispõe. O conhecimento prévio é o conjunto de idéias, representações e informações que servem de sustentação para essa nova aprendizagem, ainda que não tenham, necessariamente, uma relação direta com o conteúdo que se quer ensinar. Como já vimos anteriormente, investigar e explorar essas idéias e representações prévias é importante porque permite saber de onde vai partir a aprendizagem que queremos que aconteça. Conhecer essas idéias e representações prévias ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda não sabe.
Essa necessidade de avaliar no inicio do processo é característica da relação entre ensino e aprendizagem vistos numa ótica construtivista. Nela, a informação que o aluno recebeu anteriormente como ensino não define o conhecimento prévio, porque esse constitui toda a bagagem de saberes que o aluno tem, oriundos de diferentes fontes e que são pertinentes para a nova aprendizagem proposta. Portanto, ter conhecimento de quais foram os conteúdos ensinados anteriormente ao aluno não permite identificar o que ele já sabe: nem sempre ele aprende o que foi ensinado, e como o conhecimento não se organiza de forma linear, as coisas não funcionam tão simplesmente quanto “agora posso ensinar B, porque no bimestre passado já foi ensinado A”.
Tendo mapeado o conhecimento prévio dos alunos, nessa espécie de avaliação inicial, e pondo em prática as situações planejadas para levá-los a avançar, o professor passa a precisar de um outro instrumento para verificar como eles estão progredindo, já que o conhecimento não é construído igualmente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos. Esse instrumento é a avaliação de percurso – formativa ou processual, como muitos a chamam – feita durante o processo de aprendizagem. Ela serve para verificar se o trabalho do professor está sendo produtivo e se os alunos estão, de fato, aprendendo com as situações didáticas propostas.
Como um observador privilegiado das ações do aprendiz, o professor tem condições de avaliar o tempo todo, e é essa avaliação que lhe dá indicadores para sustentar sua intervenção. Mas isso é diferente de planejar e implementar uma atividade para avaliar a aprendizagem.
Ao montar uma situação de avaliação, o professor precisa ter clareza sobre as diferenças que existem entre situações de aprendizagem e situações de avaliação.
Um ditado, por exemplo, pode ser uma situação de aprendizagem para os alunos que ainda não escrevem convencionalmente e também uma situação de avaliação do seu conhecimento sobre a escrita. Se o objetivo é descobrir o que cada aluno sabe, quem dita é o professor, e o ditado será uma tarefa individual e que não permita ao aluno recorrer a fontes de consulta nem ao intercâmbio de informações entre colegas. No entanto, se o objetivo for a aprendizagem, todas essas restrições caem por terra. Aí até o autoditado é interessante, como nas situações em que as crianças escrevem poemas, parlendas ou canções que sabem de cor. Se o objetivo é a aprendizagem, quanto mais informações circular, melhor; quanto mais se compararem as produções individuais, melhor; em resumo, a “cola” é livre empirista, que não vê sentido no intercâmbio entre “ignorantes” nem na idéia de pôr em jogo o que se sabe avanças. Como se vê, as fronteiras são tão radicais que a idéia de “mesclar” concepções de ensino é, como já vimos, no mínimo perigosa. Mas voltando: por que é tão importante ter claras as diferenças entre situações de aprendizagem e situações de avaliação? Porque, quando não há essa clareza, os professores acabam propondo atividades formatadas como de avaliação pensando que estão ensinando. Dessa forma, não fazem nem uma coisa nem outra. Se não, qual o sentido de insistir em ditados individuais, tipo prova, diariamente, em uma classe de alfabetização, ou de solicitar redações sobre as quais não se trabalha e para as quais apenas se dá nota?

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM É TAMBÉM A AVALIAÇÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR

Avaliar a aprendizagem do aluno é também avaliar a intervenção do professor, já que o ensino deve ser planejado e replanejado em função das aprendizagens conquistadas ou não. Certa vez uma professora cuja orientação pedagógica estava sob minha responsabilidade solicitou que eu observasse, com uma certa urgência, a realização de uma atividade de resolução em sua classe, uma 2ª série. Num dos encontros anteriores com ela, eu havia defendido que era possível propor aos alunos problemas matemáticos que implicassem divisão, antes do trabalho com o algoritmo da operação, pois essa seria uma atividade interessante para que eles usassem seus conhecimentos sobre as outras operações para chegar ao resultado.
Essa professora concordava que, para encontrar solução para problemas desse tipo, os alunos poderiam fazer uso de diferentes estratégias. No entanto, diante da atividade que propôs, seus alunos haviam ficado bloqueados, não tendo conseguido pôr em uso seus conhecimentos matemáticos e dizendo que não sabiam dividir. Como não conseguiu convencê-los, até o final do dia, de que poderiam dividir mesmo sem saber como fazer a conta, pediu que tentassem resolver em casa. No dia seguinte, chegaram com contas de divisão ensinadas pelos pais ou irmãos mais velhos: uns diziam que tinham entendido um pouco, mas não conseguiam realizar as contas; outros, que nada entenderam. Resultado: pediram que ela ensinasse como fazer a conta com a chave. Por isso ela estava me procurando para ajudá-la a resolver, por usa vez, o seu problema.
Discutimos bastante a questão, mas ela não apresentou elementos que fizessem compreender o que teria acontecido, já que, em relação à adequação da atividade proposta, não havia qualquer dúvida. Fui, então observar uma atividade semelhante em sua classe. Quando cheguei, ela estava colocando a alguns problemas do mesmo tipo na lousa, e de imediato entendi onde estava o “defeito” da situação proposta. Antes de escrever os problemas na lousa havia um título destacado: “Problemas de divisão”. Essa professora estava convencida de que os problemas matemáticos são sempre de alguma operação específica, que se deve anunciar a priori. Como poderiam, então, os alunos utilizar outros conhecimentos matemáticos para resolvê-los, se a própria professora não acreditava nisso? Afinal, ela mesma estava dizendo que o problema era de “divisão”.
Nessa semana, tivemos uma ótima reunião de orientação pedagógica, da qual saiu a próxima atividade de resolução de problemas a ser proposta: “Problemas de uma festa de aniversário na classe”. Ao realizá-la, os meninos utilizaram diferentes recursos para saber quantos brigadeiros seriam precisos se cada um comesse quatro, quantos sanduíches cada um poderia comer se tivéssemos apenas 40 e assim por diante. Fizeram inúmeras divisões sem a chave, que resultaram, inclusive, em números não inteiros – o que não é nada anormal para quem divide lanches no recreio... Essa nova atividade tornou possível verificar que conhecimentos matemáticos os alunos já possuíam e como cada um fazia uso deles.
O professor precisa de recursos para compreender o que acontece com seus alunos e para poder refletir sobre a relação entre as suas propostas didáticas e as aprendizagens conquistadas por eles. Exemplos como o que acabo de descrever evidenciam a necessidade de espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico na escola e a importância da prática de observação de aula pelo coordenador ou orientador pedagógico – ou mesmo por um colega que ajude a olhar de fora. Porque o professor está quase sempre tão envolvido que, às vezes, não lhe á possível enxergar o que salta aos olhos de um observador externo.
BIBLIOGRAFIA:
Weisz, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem / Telma Weisz; com Ana Sanchez. Cap. 7 - 2.ed. - São Paulo: Ática. 2002

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